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A importância de ampliar o repertório cultural de crianças e adolescentes

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Por Maria Luisa Andrade –
O Ano era 1999 e no teatro do Hotel Renaissance, em São Paulo, estreava a peça Últimas Luas, com Antonio Fagundes. O tema era denso, mas levei meu filho que à época tinha 15 anos, muito convicta de que todo tipo de arte é fundamental para a formação de crianças e jovens, para que se apropriem da realidade que os rodeiam e, assim, possam transformá-la. Meu intuito era que tivessem (meus filhos e meus alunos) uma boa experiência cultural, uma adequada conexão com tudo que o teatro, a música, o cinema, a literatura trariam para o seu desenvolvimento e para a relação que estabeleceriam com o mundo. Como educadora partia de pressupostos importantes e me apoiava na ideia de diversão e aprendizagem, ou melhor, no conceito do aprender brincando, se divertindo. Aliás, essa visão foi corroborada por muitos autores, como Juliana Cavassin, mestre em Educação.

“a importância da diversão justifica-se porque imitar a realidade brincando aprofunda a descoberta e é uma das primeiras atividades, rica e necessária, no auxílio do processo de eclosão da personalidade e do imaginário que constitui um meio de expressão privilegiado da criança” (CAVASSIN, 2008, p. 41)

No caso da peça Últimas Luas, o que era para ser divertimento, gerou incômodo, pois a peça abordava o tema da terceira idade, fase da vida muitas vezes marcada por solidão e perdas. O personagem vivido por Fagundes, apesar de ser lúcido e bem humorado decide, aos 70 anos, viver em um asilo e, junto do filho, começam a sentir as emoções da separação. O texto é belíssimo, mas pouco interessante para um jovem. Até hoje ele se refere ao fato como “inesquecível”, na acepção mais negativa da palavra. Dadas as devidas proporções da falha na análise do que apresentar a um adolescente, acredito que houve algum ganho: o sentido de percepção do mundo adulto, o que lhe abriu possibilidades de um mergulho interno aos próprios pensamentos e emoções, estabelecendo, naquele momento, uma conexão com algo que o deixou desconfortável e que ele teria que lidar. Erros à parte, a intenção foi a melhor possível: aumentar o repertório cultural nos grandes períodos da plasticidade cerebral, presentes na infância e adolescência.

Preocupa-me o fato de que nos dias atuais muitas famílias estão oferecendo poucas possibilidades aos filhos de lidarem com o aleatório, com as incertezas de um mundo cada vez mais fluido em que a única certeza estável é a mudança constante. De acordo com Yuval Noah Harari, professor, Ph.D. em história, autor do livro 21 lições para o século XXI, “para sobreviver num mundo assim, é preciso muita flexibilidade mental e grandes reservas de equilíbrio emocional”, aspectos do desenvolvimento humano muitas vezes negligenciados por quem educa, mesmo que inconscientemente, entregando a educação dos filhos às telas de um celular, smartphone ou IPad. Não quero aqui negar a importância da tecnologia e seus avanços para a humanidade, nem poderia! O que ela não pode substituir, no entanto, é a aprendizagem que acontece quando nos conectamos com o outro por meio do diálogo, do olhar, dos gestos, sorrisos, carinhos, cumplicidade, compaixão! Seres humanos precisam observar o mundo à sua volta, compartilhar sentimentos e emoções, entenderem as representações artísticas e aquilo que elas transmitem.

Vale citar aqui o estudo do pesquisador Pier Francesco Ferrari, acerca dos neurônios-espelho, uma das descobertas mais importantes da neurociência na última década. Os neurônios-espelho são ativados em nosso cérebro com base no que vemos em outra pessoa: seus movimentos, suas emoções e até suas intenções, e nos ajudam a estabelecer relacionamentos interpessoais, uma comunicação poderosa e uma aprendizagem mais eficaz. Estudos feitos por Pier demonstraram que nosso cérebro reage com mais acuidade diante da presença real de um humano, do que com a imagem indireta deste humano num vídeo. Leitura, teatro, jogos interativos, música, contação de histórias auxiliam a criança e o jovem a entender causa e efeito, ação e consequência.

Diz um provérbio africano que “é necessária uma tribo inteira para educar uma criança”, dito muito verdadeiro, à medida que todos ao seu redor são educadores: os livros, os brinquedos, as imagens, as palavras, a música, a comunidade familiar e escolar. Por isso é tão importante que filtremos o que chega até essa criança, para que os valores positivos se solidifiquem, aqueles livres de pornografia, de imagens e de linguagens deprimentes e violentas. Conteúdos de risco abundam no universo digital e são, muitas vezes, prescritores de normas que, assimiladas, podem ter efeito considerável sobre o comportamento inadequado de crianças e jovens.

“a arte tem sido proposta como instrumento fundamental de educação, ocupando historicamente papéis diversos, desde Platão” (PCN, 1993, p. 83).

O repertório cultural dá-se em toda atividade, desde uma visita ao museu, escutar concertos musicais ou nas atividades artísticas como dança, teatro e pinturas, porém um passeio pela rua ou uma viagem com crianças e jovens, por exemplo, já configuram uma interação cultural! A cultura cria representatividade, aprimora o senso de empatia e coloca à disposição da criança e do adolescente ferramentas potentes de conhecimento sobre identidade e história. Nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional destaca a sua importância, apontando que a arte:

“propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracteriza um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas” (BRASIL, 1997, p. 19)

O teatro, por exemplo, vai além do convívio social com outras pessoas. Ele pode propiciar uma viagem interior à medida que permite que entremos no mundo da fantasia, da imaginação! O teatro permite que nos identifiquemos com as nossas emoções. Quando assistido, estimula a atenção, favorecendo a compreensão da linearidade da história, bem como a interpretação da comunicação corporal dos atores. Quando vivenciado, reforça o interesse pela leitura, favorece a empatia, estimula a comunicação verbal e corporal, a autoconfiança. Não é incomum empresas que oferecem aulas de teatro aos seus colaboradores, na intenção de ter um grupo mais antenado e capaz de comunicar com fluência e naturalidade os propósitos da organização. Os museus têm grande influência no aprendizado e na formação, sendo uma excelente alternativa para aprender mais, levando crianças e jovens a grandes descobertas na área da cultura, ciência e tecnologia. A música estimula a concentração e a memória, contribui para a aquisição de vocabulário e para a integração da sensibilidade e da razão. A música é, sem dúvida, uma das atividades artísticas que mais contribui para a memorização e expressão da emoção, sendo veículo de comunicação, expressão corporal e socialização. Pinturas ou desenhos estimulam a expressão dos sentimentos e emoções não manifestados pela linguagem oral ou escrita. É prática comum em muitas escolas a proposta de desenho livre diário. Por meio deles, pode-se saber mais sobre as crianças, sobre aquilo que pensam ou sentem, uma maneira simples de conhecê-las mais e melhor. A Leitura abre possibilidades infinitas para a imaginação, sonhos e projeções e é um dos caminhos para a percepção do mundo à nossa volta, porque, ao ler, podemos nos transportar para outros lugares, assumir diferentes papéis, sonhar, aprender! Não existem fronteiras…

Nos dias atuais, o que parece óbvio pode se perder na quantidade absurda de estímulos a que são expostos crianças e jovens. Faz-se necessário o equilíbrio entre o uso das telas e a vida de verdade. Sim, uso esta expressão pois o mundo digital, quando usado ao exagero, impede que a criança e o adolescente estejam conectados à vida real, o que pode provocar o déficit de atenção, a compulsão, ansiedade e insônia. Faço aqui um convite aos educadores (pais, professores, responsáveis) para que valorizem o desenvolvimento das habilidades humanas nas relações sociais, nas conexões familiares, na integração ao ambiente da escola, para que ocorram as descobertas, o desenvolvimento do autoconhecimento, da empatia e da cooperação! As tecnologias não poderão substituir estas habilidades, apenas aumentá-las, se as colocarmos no lugar certo! Mais que um convite, fica o alerta para que passemos a mudar paradigmas e dar valor àquilo que realmente importa. É o momento de entendermos que o desenvolvimento de um país e de seu povo dependem de um bom nível de educação e cultura, pois mais do que bens materiais ou apenas informações, crianças e jovens precisam de orientação, repertório e estímulos para novos comportamentos e hábitos construtivos da personalidade, do caráter e de uma visão mais ampla de mundo.

Texto: Silvana Pepe | Foto: Google

Fontes:

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Brasília, 1996
CAVASSIN, Juliana. Perspectivas para o teatro na educação como conhecimento e prática pedagógica; R .Cient./FAP, Curitiba, v.3, p.39-52 , jan./dez. 2008
DESMURGET, Michel. A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças. São Paulo: Vestígio, 2021.
GOLEMAN, Daniel. O foco triplo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
L`ECUYER, Catherine. Educar na curiosidade: como educar num mundo frenético e hiperexigente? São Paulo: Edições Fons Sapientae, 2015.


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